*Créditos no final do texto
O espaço brasileiro é resultado de uma sucessão
de tempos históricos. O caráter litorâneo do povoamento e a monopolização
do acesso à terra remontam ao passado colonial. A economia cafeeira, ainda nos
tempos da República Velha, criou as condições necessárias à proliferação
do fenômeno urbano e à industrialização.
O crescimento industrial registrado após a década
de 1930, por sua vez, lançou as bases da integração econômica e geográfica do
território e gerou os “desequilíbrios” regionais. A consolidação de um
pólo industrial no Sudeste e de periferias industriais nas demais regiões
redesenharam a geografia do país.
Nas últimas décadas, a abertura econômica e o
novo caráter de inserção do Brasil nos circuitos globais de produção e
consumo vêm produzindo impactos profundos na dinâmica territorial brasileira
e alterando de forma substancial da divisão regional do trabalho no país. Os
momentos cruciais de produção e valorização do território brasileiro, bem
como os grandes eixos temáticos de análise do território brasileiro, são
problematizados nos textos que compõem essa Unidade.
1. A Definição dos Limites Territoriais e o
Processo de Ocupação do Território Brasileiro
Em sua gênese, o processo de formação
territorial do Brasil está associado à empresa colonizadora. As sucessivas
ampliações da fronteira produtiva da América Portuguesa, definindo focos de
produção e consumo dispersos pelo território, assim como o esforço da Coroa
Portuguesa (e, mais tarde, do Império Brasileiro) no sentido de assegurar a
posse das bacias hidrográficas e das rotas e caminhos considerados
estratégicos, alimentaram a conturbada história da ocupação do território
e do traçado das atuais fronteiras brasileiras.
A implantação da empresa agrícola colonial na
América Portuguesa foi uma iniciativa inovadora e arrojada: no século XVI,
nenhum produto agrícola era objeto de comércio em grande escala na Europa. As
transações comerciais a longa distânciaeram restritas às mercadorias cujo
valor pudesse compensar os altos custos de transporte, tais como produtos
manufaturados e especiarias vindas do Oriente. As ilhas atlânticas de
colonização portuguesa foram o laboratório da grande empresa agrícola que
iria ter lugar na América Portuguesa. Nessas ilhas – Madeira, São Tomé, Cabo
Verde e Açores –, a monocultura canavieira era praticada desde o século XV.
As primeiras mudas de cana foram trazidas ao
Brasil por Martim Afonso de Sousa, em 1531. Dois anos mais tarde, seria
construído o primeiro engenho de açúcar da colônia, na vila de São
Vicente. Em pouco tempo, a lavoura canavieira seria introduzida na Zona da
Matanordestina. O clima quente e úmido da região bem como a topografia suave
e a presença de solos extremamente férteis (conhecidos como solos de
massapê) ofereciam condições ideais para o plantio da cana. Na segunda
metade do século XVI, a região nordeste da colônia – em especial as
capitanias da Bahia e de Pernambuco – havia se firmado como o centro da empresa
agrícola colonial. Vastos latifúndios canavieiros, cultivados por
mão-de-obra escrava e dotados de um engenho de produção de açúcar, eram a
unidade básica dessa empresa.
O açúcar produzido nos engenhos era
transportado pelos rios ou em carros de boi até os grandes portos
exportadores: Recife e Salvador. Esses centros urbanos funcionavam como elos de
ligação entre as regiões produtoras e os mercados consumidores de além-mar.
Por isso, sediavam as principais instituições administrativas e comerciais da
colônia.
A empresa açucareira implantada pelos
colonizadores no século XVI ocupava somente uma estreita faixa costeira do
imenso território luso-americano. Porém, no século XVII, novas atividades
econômicas foram implantadas, e a fronteira produtiva do território colonial
conheceu sucessivos alargamentos. O sucesso comercial do
açúcar nos mercados europeus estimulou o aumento da área canavieira da Zona
da Mata nordestina: no século XVII, as terras de pasto dos engenhos se
transformaram em canaviais. O gado foi expulso das terras nobres da fachada
litorânea e ganhou os sertões.
Partindo da Bahia e de Pernambuco (os dois
maiores núcleos da produção canavieira), a pecuária se expandiu na
direção do Rio São Francisco, que passou a ser conhecido como o “rio dos
currais”, e do Rio Parnaíba. Os índios que se opuseram a essa marcha
colonizadora sobre o sertão sofreram uma verdadeira guerra de extermínio.
No fim do século XVII, grandes fazendas de
pecuária extensiva dominavam a paisagem do sertão nordestino. Nelas, poucos
homens livres – negros libertos, índios e brancos pobres – eram suficientes para
cuidar do rebanho e transportá-lo para as feiras de gado da Zona da Mata. Nos
entroncamentos dos caminhos do rebanho, pontos de contato entre o sertão
pastoril e o litoral agrícola, surgiram inúmeros povoados, embriões das
cidades sertanejas do nordeste brasileiro.
Na Capitania de São Vicente, a prosperidade da
empresa açucareira vicentina durou muito pouco: já na segunda metade do
século XVI, os sinais de decadênciaeram evidentes. A estreiteza da fachada
litorânea, comprimida pela proximidade da Serra do Mar, e a predominância de
solos rasos e pantanosos desestimulavam a ampliação da agricultura canavieira
na região. As maiores distâncias em relação aos portos europeus encareciam
os custos de frete. O açúcar vicentino sucumbiu à concorrência do açúcar
nordestino. O fracasso da empresa agrícola exportadora produziu um verdadeiro
despovoamento do litoral vicentino. Os colonos paulistas galgaram a Serra do
Mar e se estabeleceram nas vilas fundadas no planalto.
São Paulo de Piratininga, fundada pelos
jesuítas em 1554 e elevada à categoria de vila seis anos depois, se tornou o
maior núcleo de povoamento da capitania ainda no século XVI. Um velho caminho
indígena, o Caminho do Mar, era a principal via de ligação entre o litoral e
os campos de Piratininga, que abrigavam a vila de São Paulo. Nos arredores da
vila, os colonos praticavam a policultura de subsistência, utilizando a
mão-de-obra dos índios escravizados. O apresamento e escravização dos
índios era o principal meio de enriquecimento para os colonos da capitania. Os
índios, além de serem necessários na policultura de subsistência, eram uma
mercadoria de fácil transporte: podiam atravessar andando os difíceis
caminhos do sertão e da serra.
No século XVI, o apresamento dos índios
permaneceu restrito aos arredores dos campos de Piratininga. No século XVII, a
desorganização do tráfico negreiro, conseqüência das guerras holandesas,
ampliou o mercado de índios escravizados nas regiões produtoras de açúcar.
As bandeiras de apresamento ganharam o interior, aproveitando os cursos
fluviais e abrindo caminhos terrestres. As reduções
jesuíticas em território hispano-americano eram o principal alvo do
bandeirantismo de apresamento: nelas, os índios estavam concentrados e
domesticados. As freqüentes incursões às reduções localizadas às margens
do Rio Paranapanema (atual Estado do Paraná) foram responsáveis pela
transferência de muitos desses aldeamentos para a província argentina de
Missões, entre o alto curso do Rio Paraná e o alto curso do Rio Uruguai.
Na segunda metade do século XVII, a principal
finalidade das expedições bandeirantes era a localização de jazidas de prata, ouro e pedras
preciosas. O empreendimento contava com o apoio da Coroa
lusitana, que contratou diversos sertanistas para organizar e comandar as
bandeiras de pesquisa.
A exportação de fumo assumiu importância nas
receitas coloniais portuguesas na metade do século XVII. Produzido
principalmente no Recôncavo Baiano e em Alagoas, o tabaco era exportado para mercados europeus, além de servir de
moeda de troca com os aparelhos negreiros da costa africana. Também no século
XVII, intensificaram-se as expedições oficiais pelo vale amazônico. Elas
tiveram um sentido predominantemente geopolítico: tratava- se de expulsar
holandeses e ingleses, senhores de muitas feitorias ao longo do curso dos rios,
e impedir o contrabando de produtos nativos tais como madeira e pescado.
O Forte do Presépio de Belém, fundado em 1616, foi
a ponta de lança da estratégia colonizadora da Coroa Ibérica no grande
norte. Situado na foz do Rio Amazonas, esse núcleo de
povoamento deveria centralizar a exportação das mercadorias e sediar os
órgãos do poder metropolitano sobre a região. Plantas nativas, tais como o
urucu, o cacau selvagem, o guaraná, a castanha-do-pará, o gergelim, a
salsaparrilha e o pau-cravo, eram as principais mercadorias de exportação. Os
aldeamentos indígenas controlados pelas diversas ordens religiosas representadas
na região amazônica funcionavam como uma reserva de coletores dessas “drogas do sertão”.
O excedente alimentar das missões contribuía para o abastecimento de Belém e
das pequenas cidades que surgiam na região.
Após a Restauração, a Coroa lusitana intensificou
a ocupação militarizada da região. Uma rede de fortificações portuguesas
foi construída seguindo a calha central do Rio Amazonas. (ver
RICARDO FRANCO, um dos três grandes MACHOS da história do Brasil, juntamente
com Ajuricaba, que acabou virando boto e está aí até hoje & Salvador de Sá,
que arruinou o nome da família.)
Nas últimas décadas do século XVII, a
confirmação da existência de metais preciosos nas regiões planálticas de
Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás promoveu um afluxo populacional sem
precedentes na história colonial, alargando substancialmente a faixa de
ocupação do território luso-brasileiro.
Os principais afloramentos auríferos e
diamantinos estendiam-se da Bacia do Rio Grande até as nascentes do Rio Jequitinhonha.
Os mais importantes núcleos urbanos das Minas Gerais floresceram nessa
região: Vila Rica de Ouro Preto, Mariana, Caeté, Sabará, Vila do Príncipe,
Arraial do Tijuco e outras. Em torno desses núcleos, apareceram zonas de
povoamento mais disperso, próximas às minas do Rio Verde, Itajubá, Minas
Novas e de Paracatu.
Todos os esforços produtivos da região
mineradora estavam concentrados na extração de metais e pedras preciosas. Os
caminhos abertos para a exportação desses produtos e para o abastecimento das
Minas Gerais transformaram a geografia do Centro-Sul colonial.
Desde o final do século XVII, as bandeiras
paulistas rumo aos sertões do Rio São Francisco seguiam dois caminhos
principais, que ficaram conhecidos respectivamente como Caminho Geral do
Sertão e Caminho Velho. O primeiro partia de São Paulo, rumando para
Jundiaí, e seguia na direção do Rio Grande. Transposto esse rio, buscava a
Serra das Vertentes e daí ganhava o São Francisco. O segundo, mais utilizado,
seguia o curso do Rio Paraíba do Sul, passando por Mogi das Cruzes,
Laranjeiras, Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, atravessava
a Serra da Mantiqueira na altura da passagem de Hepacaré (atual Lorena) e
buscava o sertão do Rio das Velhas. Em média, os caminhos paulistas
demandavam dois meses de viagem até a região mineira.
No início do século XVIII, tropas de mercadores
ganharam os caminhos bandeirantes. Os gêneros alimentares produzidos nos
arredores das vilas paulistas atingiam preços exorbitantes na região
mineradora. Na retaguarda da economia mineira, a agricultura paulista se
expandiu rapidamente. A criação de gado primeiro ganhou os campos de
Paranaguá e Curitiba, para logo depois atingir os distantes campos sulinos do
Rio Grande do Sul e do Uruguai, transformados em centros de criação de
muares. Centros urbanos importantes floresceram e prosperaram nos caminhos de
gado: Sorocaba (onde se realizavam as grandes feiras), Itapetininga, Faxina,
Pirapora, Cabreúva, Apiaí, Itararé, Avaré e outros.
A curva demográfica, alimentada pela constante
imigração lusitana, acompanhou esse surto produtivo: no início do século
XVIII, a capitania vicentina contava com 15.000 homens livres. Em 1777, os
documentos oficiais registram uma população livre de 116.975 habitantes.
Ainda na primeira década do século XVIII, a
Coroa lusitana, preocupada com o contrabando da produção aurífera, mandou
construir um caminho que ligasse a região mineradora e a cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro. O Caminho Novo tinha duas variantes: uma seguia
até o porto de Pilar e galgava a Serra do Mar; a outra contornava a Baixada
Fluminense e subia o Rio Santana. Ambas se encontravam perto da cidade de
Paraíba do Sul e daí seguiam na direção de Correias, Juiz de Fora,
Barbacena etc. Pelo Caminho Novo era possível atingir a região das Minas Gerais em
apenas dezessete dias.
A abertura do Caminho Novo canalizou para o Rio de
Janeiro a maior parte dos lucros do comércio com o hinterland mineiro.
O porto do Rio de Janeiro – transformado em boca das minas – se tornou o mais
importante porto da colônia em volume de comércio exterior, escoando a maior
parte da produção aurífera e diamantina e centralizando as importações
necessárias ao funcionamento da empresa mineira. Além disso, tornou-se ponto
de passagem obrigatória das levas de imigrantes portugueses atraídos pelo
ouro e dos lotes de mão-de-obra negra destinados ao trabalho nas minas. A
prosperidade econômica, tributária dessa relação privilegiada com os
mercados das Minas Gerais, iria transformar o Rio de Janeiro em sede administrativa do Vice-Reino
do Brasil no ano de 1763.
A pecuária do sertão nordestino também conheceu um período de prosperidade no século XVIII: os currais do Rio São Francisco despejavam boiadas inteiras na região das Minas Gerais. A topografia da região favorecia a condução das boiadas até as zonas mineradoras. Além do gado, os Caminhos Baianos sediavam um intenso – apesar de rigorosamente proibido – comércio de negros, uma mercadoria muito mais valiosa nas Minas Gerais do que nas tradicionais regiões açucareiras da Zona da Mata.
Na metade do século XVIII, os limites traçados
no Tratado de Tordesilhas estavam definitivamente ultrapassados: a assinatura
do Tratado de Madri, no ano de 1750, oficializou a incorporação de vastas
possessões espanholas ao território colonial português.
Regina Célia Araújo / Manal
da Funag de Geografia 2a edição. Publicação original realizada por Raquel Mendes em 07 de dezembro de
2010 ( http://fichasmarra.wordpress.com/2010/12/07/ii-a-formac%CC%A7a%CC%83o-territorial-do-brasil/ )
Nenhum comentário:
Postar um comentário